quinta-feira, 24 de julho de 2014

NOITE EM PARIS

Como publicado em 28.10.205 no SuperGoa - Para efeito de documentação.

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Mensagem Noite Em Paris - El Carmo

AutorElcarmo  [membro]     Data: 28/10/2005     Mensagem lida 121 vezes

Noite Em Paris

El Carmo


Fazia um friozinho e chuviscava. Ele
parara em frente ao Eléphant Blanc para esperar passar a
chuva. Eram, talvez, duas horas, ou menos. Outras pessoas ali
se encontravam e esperavam silenciosas a chuva passar. Um
homem baixo, de careca luzidia, meio desdentado e roupas
modestas parou em sua frente e de costas e comentou sobre o
tempo. O tempo é tema das pessoas que querem iniciar uma
conversa e não tem nada para dizer. Mecanicamente respondera
àquele homem convicto de que conversas passageiras não eram
propicias para se fazer amigos e amigos era o que lhe
interessava fazer, pois sabia das dificuldades em fazer
amigos na França e mais ainda o quanto era difícil conserva-
los. Como ser amigo de um clochard, de uma pessoa que não
tinha morada e não se sabia onde procurá-lo nas dificuldades?
Não. Não era um clochard. E se fosse, iria precisar de um
clochard? Sim. Bateu um papo. Era difícil encontrar alguém
para papear. Sua vida transcorria em monólogos. Monólogos que
saiam em sons. Para que abrir a boca? Não havia ouvidos. O
velho percebeu o estrangeiro. Talvez, também ele estrangeiro
em sua terra. Não. Não era um árabe. Il n´etait pas un pied-
noir. Non, il n´etait pas un mexicain, non plus. Il s´agit
d´un brésilien. Du Brésil. Le carnaval de Rio. Disse ser do
sul e talvez entendesse um pouco de português porque sabia
algumas palavras do provençal, la langue d´oc. Orgulho nos
olhos ridentes. Alguma semelhança entre o português e o
provençal? Existe ainda falantes desta língua? Dela sei
apenas que tal qual o francês e o piemontês o u se pronuncia
abrindo-se a boca para dizer u e ao contrário dizer i, saindo
um som semelhante ao ü alemão. Acabo de aprender que bouche
se diz boca como em português, une boca, ou bouco, uno bouco;
Que nuit se escreve nuet, noite, e se pronuncia nué; dia não
é jour mas jorn e se pronuncia dzur, pois o j e g se
pronuncia dz; Ch se diz ts; Paraxítonas las palabras finitas
em un. a e,o, as, es, os.
Saberá que Gabriel
Mistral escrevendo em prouvençau tornou respeitada a língua
occitana. E lerá um dia esta súplica dirigida ao rei René em
1474:

Tres soveyran et tres haut prince,
A la vostra sacrada real majestat, humilment et devota si
expausa, per la part del senhor de Cucuron et de sos homes
del dich luoc, que a lur noticia es vengut que ung jort de la
semana passada alcun appellat Nicolau de V..., mestre dostal
del magnific monsenhor de Saut, ambe un notari del dich
senhor de Saut appellat Gastinel, per comandament (coma
dizian) del dich senhor de Saut, son vengus en terra de
Cucuron en un luoc appellat Gotorras, que solia estre una
bastida (...).

Uma rajada de vento e água. O velho recuou tocando-o.
No sexo. Entendeu tudo. Não era isto que estava procurando.
Tinha estado em alguns bares. Bebera. Não lhe olhavam as
loiras nem as morenas. Em vão. Tímido para a abordagem.
Sòzinho mais difícil a conquista. Não era um pédé. Não. Ele
não disse isto. Queria apenas sucer sa bite. Não, alí na rua,
descaradamente assim? Qu´il n´y avait personne. Tous sont
rentré. L´Elephant Blanc fazia congé, nesta noite. Seus
fregueses foram beber em outra freguesia o grog
reconfortador. Ia voltar a seu quarto. Subiria os sete vãos
de escada do 16 rue d´Assas.
La concierge botaria os olhos para ver quem estava entrando.
Nunca dormem as concierges. Poria um disco na vitrola. Aquela
que lhe presenteara a amante, dedicada esposa do italiano.
Lembraria o dia em que a conhecera ao comprar-lhe amendoim na
avenida Saint Michel. Est-ce que vous jouez de la guitarre?
Por acaso tocava, sim, violão. Claro, dar-lhe aulas de
violão. Talvez não tocasse tão bem, não fosse capaz de tocar-
lhe o concerto de Aranjuez. Saberia, planger as primeiras
notas.

Sim, subiria ao seu quarto. Tomaria um copo de porto.
Esquentar o frio. Deitar-se-ia ouvindo tranquilamente Mozart.
O Divertimento em ré maior, K334 do poeta que em l779 na
velha Salzburg, num rasgo de inspiração compôs para o
deleite da posteridade. Era cedo. O leiteiro inda não passou.
Dormiria um pouco e voltaria à rua. Buscar sua cota de leite
na mercearia. Não era um ladrão. Fazia sua redistribuição da
riqueza. Os francêses entregam o leite nas padarias e
mercearias na madrugada. Como nas residências, deixavam os
pacotes empilhados em frente à porta. Pegava sua parte todas
noites. Era preciso comer. Em seu quarto lhe esperavam a
baguete e a manteiga esta surrupiada no marché a cotê. Não
tremer como lhe dizia seu amigo Luiz. Se tremer o francês vê,
como quase viu no dia em roubaram chocate no mercado. Ser
firme. E viverás. Ser Firme e viverás... El Carmo:


Fazia um friozinho e chuviscava. Ele
parara em frente ao Eléphant Blanc para esperar passar a
chuva. Eram, talvez, duas horas, ou menos. Outras pessoas ali
se encontravam e esperavam silenciosas a chuva passar. Um
homem baixo, de careca luzidia, meio desdentado e roupas
modestas parou em sua frente e de costas e comentou sobre o
tempo. O tempo é tema das pessoas que querem iniciar uma
conversa e não tem nada para dizer. Mecanicamente respondera
àquele homem convicto de que conversas passageiras não eram
propicias para se fazer amigos e amigos era o que lhe
interessava fazer, pois sabia das dificuldades em fazer
amigos na França e mais ainda o quanto era difícil conserva-
los. Como ser amigo de um clochard, de uma pessoa que não
tinha morada e não se sabia onde procurá-lo nas dificuldades?
Não. Não era um clochard. E se fosse, iria precisar de um
clochard? Sim. Bateu um papo. Era difícil encontrar alguém
para papear. Sua vida transcorria em monólogos. Monólogos que
saiam em sons. Para que abrir a boca? Não havia ouvidos. O
velho percebeu o estrangeiro. Talvez, também ele estrangeiro
em sua terra. Não. Não era um árabe. Il n´etait pas un pied-
noir. Non, il n´etait pas un mexicain, non plus. Il s´agit
d´un brésilien. Du Brésil. Le carnaval de Rio. Disse ser do
sul e talvez entendesse um pouco de português porque sabia
algumas palavras do provençal, la langue d´oc. Orgulho nos
olhos ridentes. Alguma semelhança entre o português e o
provençal? Existe ainda falantes desta língua? Dela sei
apenas que tal qual o francês e o piemontês o u se pronuncia
abrindo-se a boca para dizer u e ao contrário dizer i, saindo
um som semelhante ao ü alemão. Acabo de aprender que bouche
se diz boca como em português, une boca, ou bouco, uno bouco;
Que nuit se escreve nuet, noite, e se pronuncia nué; dia não
é jour mas jorn e se pronuncia dzur, pois o j e g se
pronuncia dz; Ch se diz ts; Paraxítonas las palabras finitas
em un. a e,o, as, es, os.
Saberá que Gabriel
Mistral escrevendo em prouvençau tornou respeitada a língua
occitana. E lerá um dia esta súplica dirigida ao rei René em
1474:

Tres soveyran et tres haut prince,
A la vostra sacrada real majestat, humilment et devota si
expausa, per la part del senhor de Cucuron et de sos homes
del dich luoc, que a lur noticia es vengut que ung jort de la
semana passada alcun appellat Nicolau de V..., mestre dostal
del magnific monsenhor de Saut, ambe un notari del dich
senhor de Saut appellat Gastinel, per comandament (coma
dizian) del dich senhor de Saut, son vengus en terra de
Cucuron en un luoc appellat Gotorras, que solia estre una
bastida (...).

Uma rajada de vento e água. O velho recuou tocando-o.
No sexo. Entendeu tudo. Não era isto que estava procurando.
Tinha estado em alguns bares. Bebera. Não lhe olhavam as
loiras nem as morenas. Em vão. Tímido para a abordagem.
Sòzinho mais difícil a conquista. Não era um pédé. Não. Ele
não disse isto. Queria apenas sucer sa bite. Não, alí na rua,
descaradamente assim? Qu´il n´y avait personne. Tous sont
rentré. L´Elephant Blanc fazia congé, nesta noite. Seus
fregueses foram beber em outra freguesia o grog
reconfortador. Ia voltar a seu quarto. Subiria os sete vãos
de escada do 16 rue d´Assas.
La concierge botaria os olhos para ver quem estava entrando.
Nunca dormem as concierges. Poria um disco na vitrola. Aquela
que lhe presenteara a amante, dedicada esposa do italiano.
Lembraria o dia em que a conhecera ao comprar-lhe amendoim na
avenida Saint Michel. Est-ce que vous jouez de la guitarre?
Por acaso tocava, sim, violão. Claro, dar-lhe aulas de
violão. Talvez não tocasse tão bem, não fosse capaz de tocar-
lhe o concerto de Aranjuez. Saberia, planger as primeiras
notas.

Sim, subiria ao seu quarto. Tomaria um copo de porto.
Esquentar o frio. Deitar-se-ia ouvindo tranquilamente Mozart.
O Divertimento em ré maior, K334 do poeta que em l779 na
velha Salzburg, num rasgo de inspiração compôs para o
deleite da posteridade. Era cedo. O leiteiro inda não passou.
Dormiria um pouco e voltaria à rua. Buscar sua cota de leite
na mercearia. Não era um ladrão. Fazia sua redistribuição da
riqueza. Os francêses entregam o leite nas padarias e
mercearias na madrugada. Como nas residências, deixavam os
pacotes empilhados em frente à porta. Pegava sua parte todas
noites. Era preciso comer. Em seu quarto lhe esperavam a
baguete e a manteiga esta surrupiada no marché a cotê. Não
tremer como lhe dizia seu amigo Luiz. Se tremer o francês vê,
como quase viu no dia em roubaram chocate no mercado. Ser
firme. E viverás. Ser Firme e viverás... El Carmo:


Fazia um friozinho e chuviscava. Ele
parara em frente ao Eléphant Blanc para esperar passar a
chuva. Eram, talvez, duas horas, ou menos. Outras pessoas ali
se encontravam e esperavam silenciosas a chuva passar. Um
homem baixo, de careca luzidia, meio desdentado e roupas
modestas parou em sua frente e de costas e comentou sobre o
tempo. O tempo é tema das pessoas que querem iniciar uma
conversa e não tem nada para dizer. Mecanicamente respondera
àquele homem convicto de que conversas passageiras não eram
propicias para se fazer amigos e amigos era o que lhe
interessava fazer, pois sabia das dificuldades em fazer
amigos na França e mais ainda o quanto era difícil conserva-
los. Como ser amigo de um clochard, de uma pessoa que não
tinha morada e não se sabia onde procurá-lo nas dificuldades?
Não. Não era um clochard. E se fosse, iria precisar de um
clochard? Sim. Bateu um papo. Era difícil encontrar alguém
para papear. Sua vida transcorria em monólogos. Monólogos que
saiam em sons. Para que abrir a boca? Não havia ouvidos. O
velho percebeu o estrangeiro. Talvez, também ele estrangeiro
em sua terra. Não. Não era um árabe. Il n´etait pas un pied-
noir. Non, il n´etait pas un mexicain, non plus. Il s´agit
d´un brésilien. Du Brésil. Le carnaval de Rio. Disse ser do
sul e talvez entendesse um pouco de português porque sabia
algumas palavras do provençal, la langue d´oc. Orgulho nos
olhos ridentes. Alguma semelhança entre o português e o
provençal? Existe ainda falantes desta língua? Dela sei
apenas que tal qual o francês e o piemontês o u se pronuncia
abrindo-se a boca para dizer u e ao contrário dizer i, saindo
um som semelhante ao ü alemão. Acabo de aprender que bouche
se diz boca como em português, une boca, ou bouco, uno bouco;
Que nuit se escreve nuet, noite, e se pronuncia nué; dia não
é jour mas jorn e se pronuncia dzur, pois o j e g se
pronuncia dz; Ch se diz ts; Paraxítonas las palabras finitas
em un. a e,o, as, es, os.
Saberá que Gabriel
Mistral escrevendo em prouvençau tornou respeitada a língua
occitana. E lerá um dia esta súplica dirigida ao rei René em
1474:

Tres soveyran et tres haut prince,
A la vostra sacrada real majestat, humilment et devota si
expausa, per la part del senhor de Cucuron et de sos homes
del dich luoc, que a lur noticia es vengut que ung jort de la
semana passada alcun appellat Nicolau de V..., mestre dostal
del magnific monsenhor de Saut, ambe un notari del dich
senhor de Saut appellat Gastinel, per comandament (coma
dizian) del dich senhor de Saut, son vengus en terra de
Cucuron en un luoc appellat Gotorras, que solia estre una
bastida (...).

Uma rajada de vento e água. O velho recuou tocando-o.
No sexo. Entendeu tudo. Não era isto que estava procurando.
Tinha estado em alguns bares. Bebera. Não lhe olhavam as
loiras nem as morenas. Em vão. Tímido para a abordagem.
Sòzinho mais difícil a conquista. Não era um pédé. Não. Ele
não disse isto. Queria apenas sucer sa bite. Não, alí na rua,
descaradamente assim? Qu´il n´y avait personne. Tous sont
rentré. L´Elephant Blanc fazia congé, nesta noite. Seus
fregueses foram beber em outra freguesia o grog
reconfortador. Ia voltar a seu quarto. Subiria os sete vãos
de escada do 16 rue d´Assas.
La concierge botaria os olhos para ver quem estava entrando.
Nunca dormem as concierges. Poria um disco na vitrola. Aquela
que lhe presenteara a amante, dedicada esposa do italiano.
Lembraria o dia em que a conhecera ao comprar-lhe amendoim na
avenida Saint Michel. Est-ce que vous jouez de la guitarre?
Por acaso tocava, sim, violão. Claro, dar-lhe aulas de
violão. Talvez não tocasse tão bem, não fosse capaz de tocar-
lhe o concerto de Aranjuez. Saberia, planger as primeiras
notas.

Sim, subiria ao seu quarto. Tomaria um copo de porto.
Esquentar o frio. Deitar-se-ia ouvindo tranquilamente Mozart.
O Divertimento em ré maior, K334 do poeta que em l779 na
velha Salzburg, num rasgo de inspiração compôs para o
deleite da posteridade. Era cedo. O leiteiro inda não passou.
Dormiria um pouco e voltaria à rua. Buscar sua cota de leite
na mercearia. Não era um ladrão. Fazia sua redistribuição da
riqueza. Os francêses entregam o leite nas padarias e
mercearias na madrugada. Como nas residências, deixavam os
pacotes empilhados em frente à porta. Pegava sua parte todas
noites. Era preciso comer. Em seu quarto lhe esperavam a
baguete e a manteiga esta surrupiada no marché a cotê. Não
tremer como lhe dizia seu amigo Luiz. Se tremer o francês vê,
como quase viu no dia em roubaram chocate no mercado. Ser
firme. E viverás. Ser Firme e viverás... El Carmo

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